terça-feira, 29 de março de 2011

Os pardais do império austro-húngaro

Continuando na onda das massas mundo afora, vamos falar hoje de uma massinha delicada de origem alemã e muito consumida na Bavária, Hungria, Suíça, Áustria e Alsácia. O spaetzle, ou "pequenos pardais" são geralmente consumidos como acompanhamento (no lugar de arroz ou batatas) principalmente de carnes de caça ou servidos em sopas e ensopados (como o goulash). Mas também podem ser consumidos puros, fritos na manteiga (de preferência beurre noisette) e cobertos ,por exemplo, de cebola caramelada. De todas as massas que já fiz, o spaetzle é a mais fácil: é só bater todos os ingredientes na batedeira, passar pelo passador de spaetzle (ou um escorredor de macarrão), cozinhar por cerca de um minuto e voilà! Também como qualquer massa feita em casa é possível utilizar alguns ingredientes para saborizá-la: espinafre, ervas, paprika... Eu adoro essas minhoquinhas (porque realmente de pardalzinho, pra mim, essa massinha não tem nada!). Nunca tinho feito até quando achei o "fazedor" de spaetzle na lojinha do Culinary Institute of America de St. Helena. Eu simplesmente não resisto a um utensílio culinário!!! Às vezes olho para as minhas 3 estantes cheias de formas e afins e penso: será que eu preciso mesmo de: um defumador? uma forma de charlotte? um abridor de ostras? Mas ao mesmo tempo, como faria meus cannelés sem minhas forminhas? Ou um crème brulée sem meu maçarico? Ou minhas espumas/musses/purês aerados sem meu sifão???? Estou feliz da vida que meu pai vai para a França no meio do ano para aumentar minha coleção- formas de madeleines (só tenho das mini), formas para bombons de chocolate, formas de silicone no formato de rosas para mini bolinhos delicados e uma espécie de lona para fazer baguettes. M-a-r-a-v-i-l-h-a!!!!! A culinária é assim: com o utensílio certo tudo fica mais fácil... E também mais lindo! Guten Appetit! Carré de cordeiro com spaetzle de funghi Cordeiro carré cordeiro (conte 4-5 costelas por pessoa) 3 col sopa manteiga sem sal 1 col sopa azeite 1 ramo de tomilho 1 ramo de alecrim 1 folha louro 1/2 cebola roxa picada 1/2 cenoura picada 1 alho poró picado 1/2 salsão picado 1 col sopa cheia de extrato de tomate 1 xic vinho tinto 1/2 xic vinho do porto 2 xic caldo de carne Limpe o carré retirando a maior parte da gordura visível e retire o excesso de carne entre os ossos. Deixe marinando por 3-8 horas na geladeira. *marinada: 1 xic conhaque 4 dentes de alho amassado pimenta do reino 1 folha de louro 1 ramo tomilho 1 col sopa de semente de coentro amassadas num pilão Faça primeiro o molho: Derreta 1 colher de mateiga e adicione os vegetais- deixe fritar por uns 5 minutos até ficarem caramelados. Adicione o extrato de tomate e cozinhe mais 5 minutos. Adicione os vinhos e reduza à metade do volume. Adicione o caldo de carne e deixe reduzir à metade. Coe e leve novamente ao fogo até o molho começar a ficar mais espesso. Ajuste o sal e pimenta do reino. Retire do fogo. Antes de servir, aqueça novamente o molho- retire do fogo e acrescente uma colher de sopa de manteiga gelada- isso dará brilho e consistência. Retire o cordeiro da marinada e deixe chegar à tempertura ambiente. Tempere com sal e pimenta. Sele o cordeiro em 1 col sopa de manteiga + 1 col sopa azeite. Quando a carne estiver bem dourada leve ao forno pré-aquecido a 220 graus por 10-15 minutos (o cordeiro deve estar rosado por dentro). Retire do forno e deixe a carne descansar por 10 minutos antes de fatiá-la (esse tempo de descanso é muito importante para as carnes para que haja a correta distribuição dos sucos- caso contrário ficará seca nas pontas e sangrenta no centro)- o ideal é ter um termômetro para ter a temperatura do interior da carne (entre 58-60 graus). Sirva com o molho e o spaetezle. Spaetzle de funghi 4 ovos 1 col sopa de creme de leite (ou nata) 1 col chá de sal pimenta do reino e noz moscada ralados na hora 2 xic farinha de trigo (leite se necessário) 1 col sopa cheia de pasta de funghi (hidrate o funghi secchi e bata num processador até ficar uma pasta homogênea) 2 col sopa de manteiga Coloque numa batedeira todos os ingredientes e bata até a mistura ficar lisa e homogênea. A massa deve ser mole e fazer bolhas ao ser misturada- se não aparecer nenhuma bolha, adicionar um pouco mais de farinha; se as bolhas não subirem à superfície, acrescentar leite. Passe a massa pelo passador de spaetzle ou escorredor de macarrão em cima de uma panela com água fervente salgada. Cozinhe por 1 minuto. Coe e frite em manteiga até começarem a dourar. Sirva imediatamente. Assista um vídeo com a técnica do spaetzle aqui. *receita para 4 pessoas

domingo, 20 de março de 2011

Fofuras Parisienses

Depois da trilogia das massas italianas, vamos falar de outros tipos de massas. Massas do mundo afora, um pouco menos conhecidas, mas igualmente deliciosas. Sim, porque esse prato tão antigo e versátil tem suas variações em diversos países.
Uma das minhas massas "alternativas" favoritas é o Gnocchi Parisienne- assim como o italiano, se parece com um travesseirinho fofo, são gordinhos e apetitosos... Mas nada tem a ver com os seus irmãos-rivais. Enquanto o clássico gnocchi italiano é feito de batatas, o parisiense é feito a partir da pâte à choux- a mesma que se faz profiteroles e éclairs.
Aqui em São Paulo adoro o gnocchi parisiense do Ici Bistrô. Ele é servido com uma manteiga de tapenade (pasta de azeitonas) como acompanhamento da arraia- esse é um belo prato para comer dois "ingredientes" incomuns- arraia é simplesmente uma delícia!!!!! Pra mim o Ici é uma desgraça- vizinho de porta do meu consultório, estou sempre com desejo de comer a arraia, a moules et frittes, o pain perdu com purê de pêra... Ou qualquer uma das delícias produzidas por Benny Novak.
A pâte à choux é bem simples de fazer, e eu acho mais fácil achar o ponto dessa massa do que fazer um gnocchi de batata perfeito: leve e sem gosto de farinha.
Você pode servir como acompanhamento de peixes e carnes, mas também é um ótimo prato para os veggies- salteados com abóbora assada e folhinhas de sálvia crocantes coberto com biscoito amaretto quebrado, fica maravilhoso. E ele se comporta como qualquer massa: é uma tela em branco- o molho e o que você põe na massa cabe à sua imaginação...
A receita que vou postar aqui é uma pequena adaptação do meu ídolo-mor culinário: o americano Thomas Keller, chef dos estrelados French Laundry no Napa Valley e Per Se em NYC, e do bistrô Bouchon- com dois endereços: Napa Valley e Las Vegas. Minha primeira experiência num restaurante do tio Thomas foi no Bouchon de Las Vegas, localizado no alto do Venetian, hotel surreal que possui canais percorridos por gôndolas e um céu falso que exibe um céu azul turquesa a qualquer hora do dia- tornando quase impossível a tarefa de sair do jet lag. Vou ter que dar uma segunda chance à Las Vegas, pois confesso que achei a cidade muito bizarra. Fui sozinha, num congresso que não conhecia ninguém, e ia para as palestras bem cedo- umas 7:30 da manhã. A essa hora do dia não há ninguém na rua, o que torna uma cidade com uma torre Eiffel, arco do triunfo, pirâmide, colunas gregas colossais e afins algo como uma cidade cenário fantasma. Então meu passatempo era comer- afinal em que outro lugar do mundo convivem na mesma rua Thomas Keller, Daniel Boulud, Joel Robuchon, Mario Batali, Wolfgang Puck e afins? Pois bem. Você entra no lobby do hotel após passar por uma pontinha sobre um dos canais fake- e pode ter a "sorte" do gondoleiro estar cantando ópera para algum turista que não para de tirar fotos. O lobby exibe milhares de afrescos renascentistas no tento. E você se pergunta como será possível se sentir num bistrô parisiense no meio desse clima veneziano do século XVI... Claro que o restaurante original na charmosa cidade de Yountville é muito mais convidativo- que tive o prazer de conhecer um ano depois, principalmente por estar ao lado do French Laundry (minha melhor experiência culinária), mas o piso de cerâmica, os espelhos e o menu impresso num papel rústico e descartável faz você até pensar que está em um arrondissement qualquer... Então tiro o sobretudo, sento na cadeira de madeira, peço um vinho e me dirijo à mesa dos hors d'oeuvres. Pego terrines e rillettes, com um pain de campagne com um cheiro maravilhoso, escutando música francesa ao fundo. Peço uma moules et frittes e sou feliz. Se Pavarotti e Andrea Boccelli estiverem no saguão vou até achar bom...

Gnocchi Parisiense
1/4 xic leite
1/2 xic água
6 col sopa manteiga
1 1/2 col chá flor de sal
1 xic farinha de trigo
1 col sopa mostarda Dijon
2 col sopa de ervas fresacas picada (salsinha, tomilho, estragão...)
3/4 xic queijo gruyère ralado
2-4 ovos

Coloque numa panela a água, o leite, a manteiga e 1/2 col chá sal e leve ao fogo até começar a ferver. Diminua o fogo para médio e adicione a farinha de trigo de uma vez e mexa rapidamente até que a massa solte das laterais da panela. Continue mexendo para retirar um pouco da umidade da massa, mas não deixe pegar cor (uma leve crosta vai se formar no fundo e laterais da panela). Retire do fogo e adicione a mostarda, as ervas e mais 1 col chá sal. Mexa por cerca de 1 minuto e acrescente o queijo. adicione 2 ovos, mexendo sempre- a massa deve ficar brilhante e cremosa- se ao levantar uma colher a massa não cair, acrescentar mais 1-2 ovos.
Colocar a massa num saco de confeiteiro descartável. Cortar o bico e cortar a massa sobre uma panela com água quente quase fervente (não pode estar em franca ebulição). Após subirem à superfície, deixe os gnocchis cozinharem mais 2 minutos. Escorra e salteie em manteiga ou retire a umidade em excesso e congele por até 1 mês.
Veja aqui um Video onde Thomas Keller mostra a técnica de preparo dessa receita.
*porção para 4 pessoas.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O que é que Dijon tem?


Dijon é a capital da Borgonha, região da França famosa pelos pinots noirs como o célebre Romanée Conti e pelos chardonnays como os Chablis e Montrachets. Mas Dijon também é a capital de outro ingrediente, muito mais famoso e acessível: a mostarda. A mostarda é um condimento muito antigo, tendo registro de milhares de anos, e atualmente seu consumo só perde para o sal e pimenta. Seu nome deriva do latim mustum ardens: mosto ardente, isso porque quando os grão são triturados em presença de líquido é liberado um óleo essencial e substâncias voláteis que dão a característica picante da mostarda (essas substâncias também estão presentes na raiz fornte). A mostarda pode ser feita a partir de três grãos diferentes: mostarda preta, a mais picante e ardida; mostarda marrom, mais suave (a mais difícil de se achar aqui no Brasil) e mostarda amarela, mais amarga.
Existem muitos tipos de mostarda, sendo que as mais famosas são:
-Mostarda de Dijon: a mais aromática de todas, é feita com grãos marrons, vinho branco ou verjus e pode ser aromatizada com diversos ingredientes, sendo os mais encontrados o mel, o estragão e cassis.
-Mostarda à l' Ancienne: é uma forma rústica e mais leve da mostarda de Dijon, onde encontramos grãos inteiros.
-Mostarda Alemã: pode ser de vários tipos, mas a mais comum é a mostarda escura, feita com grãos marrons e pretos, acrescidos de açúcar, o que a torna mais adocicada.
-Mostarda Americana: é a mostarda comum, pouco picante ou ardida e sua coloração amarelo viva se deve à adição de cúrcuma à mistura.
Dijon


Dijon é uma cidade fofíssima. Repleta de cafés charmosos, excelentes restaurantes, museus, igrejas e seus famosos telhados formando mosaicos coloridos. A borgonha é uma das principais regiões gastronômicas da França, possuindo vários restaurantes estrelados, sendo três com a cotação máxima de três estrelas no guia Michelin. O mais famoso deles, o Relais de Bernard Loiseau tem talvez a maior fofoca gastronômica francesa, pois dizem as más línguas que o chef, o tal Bernard, se suicidou ao saber que talvez perdesse uma de suas estrelas... Dijon também é sede da Feira Internacional de Gastronomia, um dos principais eventos gastronômicos franceses. Agora, o que Dijon tem de mais bacana, são as mostardas. Em cada esquina da cidade tem uma boutique vendendo potinhos e mais potinhos desse condimento milenar. No meu primeiro dia de Borgonha, após sentar numa pracinha com um lindo carrossel muito antigo e comer um verdadeiro escargot à la bourguignonne regado a muito Chablis, me deparo com a boutique Maille. Sim, você já viu essa mostarda nos supermercados. Mas o que vocês não têm idéia é da quantidade de sabores diferentes que existem. Esqueça a mostarda tradicional, ou as básicas de mel e estragão, estamos falando de combinações exóticas como damasco e curry, figo e semente de coentro, castanhas e pimenta rosa, tangerina e pistache, ameixa e armagnac... Loucura, loucura!!!!!!! Fora os vinagres m-a-r-a-v-i-l-h-0-s-o-s, azeites e tartinades... Saí de lá com uns 10 potinhos... O que foi mais engraçado é que comprei os potes pequenos, pois queria experimentar vários sabores, mas simplesmente eles magicamente ocuparam toda a minha mala que estava praticamente vazia, e pareciam pesar 1 tonelada!!! Quando acabei minha viagem pela Borgonha- pois fui fazer toda a rota dos Grands Crus, fui pegar o trem de volta em Beaune (a cidade mais charmosa da região). A estação de trem é cheia de escadas- nenhuma rolante, é óbvio...! E numa dessas de sobe e desce de escada com a aquela mala ocupada por mostardas, a alça da mala quebrou, e eu simplesmente tive que parar e sentar porque tive um ataque de riso... O povo olha, acha estranho, mas ninguém ajuda... Os franceses estão sempre muito apressados.
E então um dia desses, quando a maioria dos meus potinhos já tinha acabado, fiquei com vontade de criar minha própria mostarda. E acredite, fazer mostarda em casa é super fácil , mas o resultado é um pouco mais ardido que as mostardas comerciais.

Mostarda de castanhas, cereja e framboesa
1/3 xícara grãos de mostarda
(de preferência marrons, mas se não achar use a amrelamisturada com um pouco da preta)
1/2 xic vinho branco
1/3 xic água
1 col sopa açúcar mascavo
1 col sopa mel
1/2 col sopa geléia de framboesa
2 col sopa de creme de castanhas
1/4 xic de cerejas (eu usei Griottines, que são cerejas em calda de kirsch)
sal à gosto
Leve a água e o vinho ao fogo para aquecer e despeje sobre os grãos de mostarda (o calor inativa parte da ardeência da mostarda)- deixe de molho por 3 horas. Bata então todos os ingredientes num processador até formar uma pasta. Coloque num pote esterelizado, tampe e deixe fechado à temperatura ambiente por 3 dias (esse tempo de maturação também é importante para a mostarda ficar mais suave- a mostarda recém feita tem um gosto extremamente forte!). Deixe na geladeira mais 1 semana e então prove a mostarda e ajuste a consistêcia- se estiver muito grossa adicione água, e o sal.
Você pode fazer a combinação de sabores que quiser a partir da base de grãos+vinho+água.





sábado, 12 de março de 2011

Um blog para chamar de meu

Hoje meu blog faz dois meses. E eu não poderia estar mais feliz. São 60 dias, 22 posts e mais de 1.500 acessos. Acessos do Brasil, EUA, Canadá, Austrália, vários países da Europa e também de Cingapura e Rússia. Acesso de amigos, amigos de amigos, procura no google e tudo o que ele tem direito.
A criação desse blog fecha um primeiro ciclo da importância da gastronomia na minha vida. A culinária sempre esteve presente pela influência familiar. Mas há uns 8 anos começou um processo de fermentação desse assunto. Ele veio ganhando força e culminou nesse blog. Desses anos pra cá surgiram mais revistas de gastronomia, pipocaram vários programas de culinária na TV, comecei a cozinhar e a ler mais. O mundo gastronômico começou a ganhar espaço, a profissão de chef virou sinônimo de status... E várias pessoas ligadas ao mundo culinário foram entrando em minha vida. Na época, minha super amiga e roomate namorava um ex-modelo que havia virado cozinheiro. Eu e o Caco passávamos várias horas viajando na maionese, opinando sobre a comida alheia, pensando em apresentações dos pratos, sugerindo combinações inusitadas... Fazíamos milagre na cozinha minúscula do nosso ap na Av. Angélica. Ele foi fazer gastronomia no Senac e hoje é um dos apresentadores da série "Homens Gourmet" do Fox Life. Através deles conheci o chef, e hoje meu grandissíssimo amigo, Airys Kury. Quantas orgias gastronômicas não fizemos na casa da vila- hoje transformada em um bistrô e espaço de eventos sem igual em São Paulo, o Chez Airys... Quantas horas não passamos na minha mesa folheando livros de culinária, planejando cardápios e pensando em um dia montarmos um projeto juntos... Tenho pacientes ligados ao mundo gastronômico - de chefs a editores de revista. Tive a oportunidade de trabalhar para uma indústria farmacêutica francesa, o que me proporcionou algumas viagens à Paris e assim fui me tornando mais íntima da gastronomia "insider" da cidade. Tenho um primo que largou uma profissão promissora em economia para seguir seu sonho e foi fazer Cordon Bleu. Tive o privilégio de comer em alguns dos melhores restaurantes do mundo, como o French Laundry, Alinea, Pic, Le Chateaubriand, L'Atelier de Joel Robuchon... Ir nas melhores pâtisseries (Pierre Hermé, sempre!) e nos melhores chocolatiers... Pude fazer cursos tanto aqui no Brasil como fora, e de todos eles, o que mais me influenciou foi o de bases da culinária do Laurent- me fez entender como se faz a construção dos sabores, a importância da técnica na cozinha. Veio a era dos torrents e com isso pude assistir muitas séries bacaníssimas de culinária, como os Top Chefs, In Search of Perfection, No Reservations, Masterchef- the professionals, Masterchef Australia, The F word... O IPod chegou e com eles muitos podcasts legais como o do Mark Bittman ou o Gourmet's Diary of a Foodie. Resolvi fazer um curso de 1 ano de duração na Accademia Gastronômica, o qual tive que abandonar depois de ficar grávida porque jornada quádrupla eu já não aguentava mais... Mas onde conheci muitas pessoas bacanas, em especial o "titcho" Rogério Savietto e suas passagens por restaurantes estrelados como o Le Tour d'Argent...
Enfim, tudo isso fermentou, cresceu e me tornou a pessoa que sou hoje. Cheguei à primeira infância do mundo culinário. Ainda há muito o que quero fazer. Tirar um período sabático e ir fazer um curso na França, escrever um livro, contratar um designer para fazer esse blog mais acessível e bacana, quem sabe abrir minha boulangerie-bistrô...
E por que um blog? E talvez o mais importante: o que eu quero com esse blog? Criar o blog foi a maneira mais fácil e rápida de experimentar o mundo culinário de uma maneira um pouco menos amadora. Mas o que está sendo mais importante para mim é que não considero esse blog apenas um blog culinário. Com ele resgatei toda uma veia literária que estava adormecida há muito tempo. Desde que criei com uns poucos anos de idade meu livrinho "Marcelo e a Cotia"- que aliás não sei de onde tirei, pois nunca vi uma cotia na vida! Adoro escrever. E escrever o blog está sendo tão gratificante quanto compartilhar minhas receitas. É muito bom poder ouvir comentários de que as pessoas gostam do meu jeito de escrever, como é motivo de orgulho saber que meu blog inspirou pessoas a cozinharem. É claro que eu quero que o blog cresça. Mas acima de tudo quero que as pessoas se divirtam, se toquem e se emocionem com ele.
Parabéns para o lado b. E obrigada a todos os meus leitores que estão fazendo dele uma realização pessoal.


Bolo de figo, canela e framboesas


(adaptação do bolo Garance, de Pierre Hermé)

120g farinha de amêndoas
185g açúcar confeiteiro
90g farinha trigo
2 col chá cheias canela em pó
185g manteiga sem sal
1 ovo
70g gemas (3 grandes ou 4 pequenas)
30ml leite
2 figos grandes maduros descascados e picados
raspas de 1 fava bauniha ou 1/2 col sopa extrato baunilha
100g claras (3 grandes ou 4 pequenas)
3 col sopa açúcar
1 xic cheia de framboesas frescas

Peneire em uma tigela a farinha de amêndoas com o açúcar confeiteiro e em outra a farinha com a canela.
Numa batedeira (de preferência utilizando a pá), bata a manteiga com a mistura de açúcar e farinha de amêndoas até que a mistura fique fofa. Se estiver usando a pá, mude para o fouet- incorpore as gemas e os ovos e bata por cerca de 3 minutos. Junte delicadamente o figo, o leite e a baunilha. Bata as claras em neve- picos moles, incorporando o açúcar aos poucos. Misture as claras à massa com uma espátula aos poucos, alternando com a farinha com canela.
Despeje metade da massa numa fôrma untada e enfarinhada. Coloque as framboesas e cubra com o restante da massa. Asse em forno pré-aquecido a 160 graus por cerca de 30 minutos- vire o bolo e asse mais 30 minutos ou até que o bolo fique dourado e seco ao espetar um palito no centro.


Cobertura
3 figos frescos maduros descascados
2 figos ramy
Bata tudo num processador e cubra o bolo.

Decore com framboesas e mini rosas.

sábado, 5 de março de 2011

Quero ser Peter Mayle


Imagine um lugar com estradas cercadas por campos de girassóis gigantes, pessegueiras fartas, oliveiras e vinhedos. Um lugar onde logo após o pôr do sol o céu se tinge de lilás, pra combinar com os campos de lavanda perfumados da região. Um lugar onde as pessoas são felizes pelas coisas simples da vida. Onde o tempo não é ditado pelo relógio e a palavra "pressa" não existe no dicionário local. Um lugar de tamanha beleza que inspirou artistas como Cézanne, Van Gogh, Picasso- só para citar alguns. Esse lugar existe. E é a Provence.
Estive na Provence há cerca de 1 ano e meio atrás, e esses dias, passando as dicas de viagem para o meu pai, minha memória se voltou para aquele pedacinho do sul da França.
Quem já leu Peter Mayle tem uma idéia do que é o lugar. Esse inglês que adotou a Provence há mais de 20 anos escreve deliciosamente sobre o local. Desde seu primeiro livro que li, "Lições de Francês", já pensava que ele era um cara de sorte: morava num lugar lindo e ganhava a vida viajando pelo interior da França, comendo, escrevendo sobre os costumes... Ao ler "Um ano na Provence" você pode até achar que tudo aquilo é comédia. Mas não é. É um lugar sui generis mesmo.
Cheguei à Provence em meados de agosto, num calor insuportável. Minha primeira parada: Aix-en-Provence, que ao lado de Avignon é uma das cidades grandes da região. Aix é linda, mas estava vindo da Borgonha, onde algumas cidades eram tão peguenas como uma ruazinha, então todo aquele agito me causou um certo incômodo. Minha próxima parada seria Lourmarin, uma pequena cidade no coração do Luberon, a região rural da Provence. Parto dois dias mais cedo na esperança de encontrar alguma hospedagem nessa mini cidade de pouco mais de mil habitantes. Chegando perto do meu destino as estradas começam a ficar menores e mais sinuosas- andar de carro na Provence pode ser uma verdadeira emoção!!! Uma plaquinha indica o destino: "Lourmarin - uma das mais belas cidades da França". Já gostei.
Bato na porta do meu chambre d'hôtes (o que seria a nossa pousadinha, mas que de pousadinha não tinha nada!) e a dona, uma velhinha com um penteado de tranças que mais parecia a princesa Leia vem atender. Explico que chego dois dias antes. Ela me diz que infelizmente para aquela noite não teria quartos... "Mas vamos aqui na minha vizinha perguntar se ela não pode te hospedar por uma noite!". Eu olho incrédula para aquela situação. Bernadette, a velhinha-Leia, vai entrando no quintal da vizinha. Toda a família está ali, botando a mesa no jardim para o almoço, tomando vinho rosé, escutando jazz, rindo alto... A dona da casa vem me acolher com um "Bien sûr, bien sûr"- Claro, claro... O quarto de hóspedes é simplesmente lindo. É todo no estilo...bem, provençal! Que para eles pode ser comum, mas para mim... Rio para mim mesma lembrando quando era pequena, na minha primeira viagem para Inglaterra, falava para a minha mãe: Olha, aqui só tem carro importado!
Naquele momento, olhando aquela família pela janela, tão feliz num simples almoço de terça-feira, a mesa colocada com tanto capricho... Algo mudou em mim. Aquele lugar tem uma certa mágica no ar. E minha primeira vontade foi tirar o relógio - e acredite, você também vai querer tirar o seu.
No dia seguinte já estou com Bernadette. Sua "pousada" é simplesmente uma construção do século XVIII simplesmente maravilhosa, cheia de obras de arte, com um jardim com redes e uma fonte onde é possível refrescar os pés no fim da tarde. Os primeiros dias foram para conhecer as cidades da região: uma mais linda do que a outra. Gordes- construída na beira de um penhasco, Rousillon e suas montanhas de ocre, onde todas as casinhas vão do laranja ao marrom, Bonnieux e sua vista fantástica para Lacoste, Cucuron com sua pracinha central, Les Baux de Provence, uma cidade murada ao pé dos alpilles com restuarante 2 estrelas Michelin e uma das atrações mais lindas da Provence: a Catedral de Imagens ... Depois fui diminuindo o ritmo... Estava calor, então por que não ir até o laguinho ali próximo? E enquanto boiava naquelas águas dos alpes franceses- que péra aí: eram águas termais!!!, pensava "a vida é boa"... Um incidente com o carro me fez entrar no "modo provençal" de vez. Estava voltando de Arles e suas ruínas romanas quando notei que o combustível estava literalmente no zero! O que eu não sabia era que na França não há postos nas estradas, e demorei até resolver entrar numa cidadezinha X para abastecer. E lá, claro, não existem frentistas, o que existem são váaarios tipos de combustíveis diferentes: gasolina X,Y,Z, diesel... E agora? Não tinha a menor idéia qual era! Lembrei que o carro que alugara na Borgonha era a diesel, e como o modelo, um Polo, era igual e da mesma operadora, pensei que existia um certo padrão. Coloquei 15 euros de diesel e pé na estrada. Por uns 2 minutos... Logo o carro começa a fazer um barulho estranho, a sacudir todo e perder potência. Ai,ai,ai! Entro na primeira estradinha vicinal, daquelas que mal cabem um carro, torcendo, rezendo para que o carro aguente até a entrada da cidade- Pertuis- já vi essa placa, não estou tão longe de casa! Atrás de mim, os carros buzinam. E eu e meu carro trememos. Ao entrar na cidade o carro pifa na porta da casa de uma mulher que entrava com as compras, eu quase chorando, já embaralhando todo o meu francês, explico o ocorrido. A mulher me fala que logo ali, depois daquela esquina tem uma oficina mecânica. Entro em pânico porque o "logo ali" provençal pode significar 5 metros ou 5 km!!!!!! Empurro o carro até a esquina e , ufa! A mecânica está ali... Claro que ouço todos os tipos de piada, como eu fui colocar diesel num carro a gasolina sem chumbo? Hã? Moço, no Brasil só temos álcool e gasolina e hj há muitos carros que já aceitam os dois!! Mas não adianta, eles me mostram todos os indícios que o carro era a "essence sans plomb": tá vendo esse simbolo verde? Ou como o bocal é diferente? Ou isso, ou aquilo? Os provençais a-d-o-r-a-m uma discussão... Rrrrrrrrrr! Meu celular não pega e não sei o telefone de Bernadette. Mas os mocinhos não são de todo o mal, e me dão carona até Lourmarin. Mas o carro vai demorar pelo menos dois dias para consertar. Só me restava explorar Lourmarin. Então ia à feira de manhã ,explorava a cidade com suas lojinhas transadas, galerias de arte e cafés, fazia meu pic nic no jardim de Bernadette com frutas, pães, queijos e uma meia garrafa de vinho rosé... Já meio lelézinha, tirava um cochilo na rede... À tarde ia pro meu chá no salon de thé da filha de Bernadette, o único local com wi-fi gratuito da cidade. O lugar é uma delícia: um misto de salão de chá com livraria, com títulos em francês e em inglês, onde todos os dias, Mappie, a dona, traz quiches, tortas e bolos recém assados todos os dias. À tarde é hora de chegar o bolo de amêndoas. Um bolo amanteigado, que derrete na boca com sabor intenso de amêndoas e amaretto. Já não sei se vou lá pela internet ou pelo bolo- mas garanto: o melhor bolo de amêndoas que já comi. E claro, como vocês já me conhecem, viciei e obcequei. Virou o sabor da Provence para mim.
Mais pro fim da tarde era hora de passear com Bernadette (apenas depois dela andar 2h de bicicleta e nadar na piscina de uns amigos que tem um "castelinho" por ali). Ela me adotou depois da surpresa de meu marido me mandar uma mega buquê de rosas no meu aniversário. Às vezes saíamos para comer figos e amêndoas que pegávamos nas árvores das propriedades alheias, e ela me contava toda a sua vida, do marido marchant de artes, da sua casa na Côte d'Azur... Bernadette me mostra a casa onde Peter Mayle mora (nada bobo, esse moço...) e diz que ele está viajando- se não, poderíamos entrar e tomar um cafezinho...(!!!!!). Ou então me levava para jantar- uma vez na casa de amigos, onde passamos a noite discutindo política, religião, educação, relacionamentos, bem ao estilo francês, regado à muito vinho... outra vez numa fazenda no alto de uma montanha onde tudo o que se comia era produzido ali, e as cabras, os porcos, os bezerros, todos vinham de vez em quando perto da mesa de 50 lugares (metade ocupada pelos amigos de Bernadette) postas no imenso jardim, onde podíamos apreciar o sol se pondo no meio do vale. Foi ali que vi o único campo de lavanda ainda fresco, como um presente para o fim da viagem. Na volta, Bernadette dirige a 80 km/h, numa estrada onde o máximo é 40, com seus 70 e poucos anos e suas tranças, com várias taças de vinho na cabeça, naquela estrada de terra que cabe meio carro, com penhasco dos dois lados, ouvindo Erik Satie no mais alto volume, feliz da vida. Quero ser Peter Mayle? Melhor. Quero ser Bernadette.
Bolo de Amêndoas
200g pasta de amêndoas ou marzipan
1/4 xic açúcar
220g manteiga sem sal em cubos, gelada
2 col sopa mel
3 ovos
2 col sopa amaretto
1/3 xic farinha trigo peneirada
1 pitada sal
Pasta de amêndoas
1 xic cheia farinha de amêndoas (torre levemente as amêndoas e bata no processador até que vire farinha)
1 xic açúcar confeiteiro
1 col sopa amaretto
1/2 col chá essência de amêndoas
1/2 clara
Bata tudo num processador até formar uma bola. Enrole em filme plástico e guarde em geladeira.
Bata a pasta de amêndoas e o açúcar numa batedeira (de preferência com a pá), na velocidade baixa até que comecem a se misturar. Aumente para velocidae média por cerca de 2 min. Adicione a manteiga e bata por 5 minutos- até que a mistura fique bem clara, fofa e aerada (caso contrário o bolo ficará muito denso). Adicione o mel e os ovos, um de cada vez- só acrescente o próximo quando a mistura estiver bem incorporada. Adicione o amaretto, a farinha e o sal.
Despeja a massa em forma untada com manteiga e asse em fogo baixo pré-aquecido por cerca de 25 min (até ficar dourado). Deixe esfriar um pouco e retire da forma e ponha numa rack para bolos. Sirva levemente morno.