quarta-feira, 10 de abril de 2013

Crème de la crème







Ok. Eu assumo. Não cumpri minha palavra de retornar com força total.Shtá-shtá ! Shame on me!
 Na verdade esse quíntuplo papel de mãe-médica-esposa-cozinheira-empreendedora está consumindo todos os meus segundos. Mas agora iniciei  um projeto que quero muito  dividir nesse blog. Atualmente estou seríssima em desenvolver uma confeitaria sem glúten de qualidade. E apesar de ver que consigo fazer coisas bem bacanas, constato que me falta algo muito importante: dominar a técnica. Porque não basta saber cozinhar e ser criativa. A arte da confeitaria é uma ciência super precisa, e com certeza dominar os processos ajudará, em muito, a minha criatividade incessante. Mas, bem, eu não posso começar a dominar a técnica do glúten-free se eu não domino a técnica “normal”. E assim, enquanto não realizo o sonho de ir para França fazer um curso de Pâtisserie profissional, decidi desenvolver um curso em casa. Para isso precisei escolher um livro bacana, que abrangesse as diversas áreas da confeitaria francesa clássica e que tivesse uma linguagem acessível (ok, vamos deixar Pierre Hermé para a próxima).
O escolhido foi Pâtisserie at Home. O livro é dividido em Técnicas Básicas, Pâtisserie, Tortas, Petits Fours, Gâteaux e sobremesas e Panificação. São aproximadamente 60 receitas, que eu tentarei desenvolver em dois meses. E aqui postarei tal como elas saírem. Se saírem bacanas, ótimo. Se não derem certo, saírem tortas ou seja lá o que for, também postarei e tentarei colocar o que possivelmente deu errado e o que eu farei para corrigir numa próxima tentativa (apenas no final de todo o projeto).
Hoje vamos fazer o primeiro passo. Uma técnica básica que servirá para os meus dois primeiros projetos: Crème Diplomate.
Os cremes são um dos pilares da Pâtisserie Francesa.Dois grandes cremes servem de base para diversos outros: o creme inglês (crème anglaise) e o creme confeiteiro (crème pâtissière).
O crème pâtissière não tem esse nome à toa. É realmente um dos mais usados na confeitaria. Tem por base uma mistura de ovos, amido, açúcar, baunilha, leite e manteiga. E desses ingredientes sai um creme amarelado,, perfumado e untuoso. Os cremes derivados do confeiteiro mais famosos são:

-Crème Diplomate: quando vc precisa de um creme mais leve. É  uma mistura do crème pâtissière com creme batido (a proporção pode variar de 1/2/3:1). Com certeza, o meu preferido. Pode ou não ser estabilizado com gelatina.

-Crème Chiboust: é uma mistura do crème pâtissière com merengue.  Pode servir como base para soufflées.

-Crème Mousseline: uma mistura de crème pâtissière com manteiga. É o creme usado para fazer o clássico Fraisier. 

Então, para fazer qualquer um desses cremes, primeiro temos que aprender a fazer o pâtissière. A primeira vez que fiz  foi num curso do Laurent. E segundo ele, o segredo para um crème pâtissière perfeito era cozinhar a farinha/amido longamente. Para fazer isso, estava usando o Thermomix, e desde então se sentia uma pessoa feliz. Tá, tio Laurent, quando eu tiver 5 mil reais sobrando também farei cremes sedosos e perfeitos, sem nenhum gruminho e sem vestígio de maisena, ok? 

Crème Pâtissière

500 ml leite integral
1 fava de baunilha
100g açúcar refinado
4 gemas
30g maisena
30g custard powder (ou pó para pudim de baunilha ou maisena)
30g manteiga 

Corte a fava de baunilha no sentido do comprimento, raspe as semente e junte ao leite. Leve ao fogo e deixe ferver. Enquanto isso, numa tigela bata com fouet as gemas, maisena, custard powder e o açúcar até que fique homogêneo e brilhante. Apague o fogo do leite e junte metade ao creme de gemas, mexendo sempre. Junte a outra metade do leite quente e leve toda a mistura ao banho Maria até espessar (cerca de 5min). Retire do fogo e junte a manteiga. Bata até ficar sedoso. Passe o creme por uma peneira (para eliminar os eventuais gruminhos) e coloque-o numa assadeira. Cubra imediatamente com papel filme, de modo que este encoste na superfície do creme- isso evitará que se forme uma película quando o creme esfriar. Coloque a assadeira sobre outra contendo gelo e cubra também a superfície com gelo (eu ponho em saquinhos zip lock). Deixe esfriar completamente. Retire o filme plástico e passe novamente por uma peneira. Reserve.
 
 

Nota sobre os gruminhos: acontece nas melhores famílias. Na verdade, quanto menor a quantidade feita, maior a chance deles se formarem! Vejam essa explicação maravilhosa do chef  Migoya!
 

Crème Diplomate
250 ml creme de leite fresco
250 ml double cream (seria um creme de leite com cerca de 48% de gordura, bem espesso. Como não temos no Brasil, usei nata fresca)
20g de açúcar (adicionei um pouco de açúcar porque o meu custard powder não é adoçado)
500g crème pâtissière
Coloque a tigela e o whisker da batedeira no freezer por 30 min antes de usar. Coloque os cremes no freezer por 15 minutos antes de usar.
Junte os cremes e bata na velocidade máxima até começar a encorpar. Junte o açúcar ate que fique espesso (não bata demais, ou o creme talha e vira manteiga).
 
 

Junte o crème pâtissière.

Voilà!
 
 
Nota: 10. Ficou perfeito!

 

sábado, 5 de janeiro de 2013

chame o asterix



 

 

 

Se existe uma boa razão para se visitar a Toscana no inverno é o cheiro de castanhas sendo assadas. Talvez em nenhuma outra época as ruas fiquem tão perfumadas, com os vários senhorzinhos de boina e suspensório vendendo suas preciosidades em saquinhos de papel. Os cheiros intensos do inverno aquecem, e fazem valer a viagem. Além das castanhas, essa é a época das trufas. Dos porcinis. Dos assados robustos feito com vinhos tintos. Do Panettone, Panforte e Torrone.
Para mim, os sabores do inverno toscano podem ser traduzidos num único prato: Cinghiale al dolce forte: um prato feito com javali (a carne ícone da Toscana) cozido lentamente num molho de vinho, especiarias, chocolatee castanhas. Em termos de sustentabilidade, orgânicos e uso de produtos locais, a Toscana não pode estar melhor servida. É de lá que saem os melhores vinhos, o melhor chocolate. Lá existe javali selvagem. E existe o velhinho de boina vendendo castanhas.
Meu contato com esse prato divino foi num pequeno restaurante em Siena.
Siena é uma pequena cidade medieval, cercada por um muro de pedra, a cerca de 50 km de Florença. Durante a Renascença as duas cidades eram grandes rivais. Florença pode ter ficado com toda a glória. Mas Siena, sem dúvida, ficou com todo o charme. Suas vielas de paralelepípedos se abrem para monumentos de tirar o fôlego, como a Piazza del Campo, onde ocorre a famosa corrida de cavalos, o Palio di Siena, e a Catedral, o Dumo di Siena- ao meu ver, muito mais bonito que sua rival em Florença. A pequena cidade abriga lindos cafés, lojinhas de artesanato incríveis, livrarias charmosas e várias boutiques gourmets onde se pode comprar especialidades locais como o Panforte di Siena, embutidos de javali, conservas de trufas e tudo o que sua imaginação italiana desejar. Fora o hotel: PalazzoRavizza. Seus amplos quartos possuem uma escrivaninha de frente para grandes janelas, que,  abertas,  revelam uma paisagem campestre repleta de colinas,ciprestes, parreiras e oliveiras que se tingem de um lilás-alaranjado ao entardecer. Inspiração para qualquer pseudo-escritor!
Pois foi numa das noites, andando pelas redondezas da Universidade de Siena, que entrei num pequeno restaurante, que mais parecia uma taverna. Daqueles que você tem certeza que terá uma refeição digna, como em qualquer restaurante do interior da Itália, sem jamais imaginar que teria, na verdade,uma refeição sublime. De entrada, peço um tagliarini com trufas. Por 12 euros, o garçom ranzinza-master rala trufas suficiente para umas quatro refeições. Já estou nas nuvens. Trufa é cogumelo. E cogumelo dá barato. Desacreditando na finesse dos pratos principais ali descritos no menu, opto por fim pelo tal Cinghiale al Dolce Forte- que eu venho a descobrir depois ser uma receita bem típica da toscana.
O prato chega com um aroma indescritível. A carne é suculenta e o molho um balanço perfeito entre os ingredientes. O chocolate amarra tudo isso, mas não se sobressai. É um elo perfeito.
A primeira vez que tentei fazer minha versão do Cinghiale, me baseei num programa do chef Eric Ripert que é bem legal. Vale dar uma conferida nos episódios, que além de técnicos são também bastante divertidos. O prato ficou bom, mas não me despertou aquele “uau” do restaurantezinho. E apenas agora, nesse fim de ano, resolvi fazer minha própria versão do prato,levemente desconstruído, e com técnicas para se fazer um ragú perfeito,aprendidas com Heston Blumenthal. Agora sim. Por tutatis!

 

Nhoque de castanha portuguesa com ragu al dolce forte (para4 pessoas) 

Nhoque
500g castanha portuguesa cozida
3 ramos de salvia
Sal, pimenta
1 col sopa manteiga
50 ml água
2 ovos
75g pecorino ou parmesão ralado
1-3 col sopa farinha de rosca 

Colocar as castanhas cozidas e descascadas numa panela com a água, a manteiga, a sálvia, o sal e a pimenta. Deixar cozinhar em fogo baixo até a água secar. Retire do fogo e deixe amornar. Bata num mixer as castanhas e os demais ingredientes, exceto a farinha. Transfira a massa para uma tigela e incorpore a quantidade suficiente de farinha para conseguir formar bolinhas.
Faça as bolinhas e deixe numa assadeira enfarinhada. Cozinhe em água fervente por 3 minutos depois que os nhoques subirem à superfície. Reserve.

 

Beurre Noisette
50g manteiga com sal

Pique a manteiga e coloque numa panela pequena de fundo grosso. Leve ao fogo fazendo movimentos circulares até que a manteiga “queime”e obtenha uma cor âmbar. Reserve.

 

Ragú de javali dolce forte
300g filé javali cortado em cubos
Sal, pimenta
2 col sopa azeite
1 cebola picada
2 dentes de alho picados
½ alho poro fatiado
½ cenoura picada
2 col sopa extrato de tomate
2 folhas de louro
2 col sopa aceto balsâmico
2 xic caldo de carne
50 ml vinho do porto
2 xic vinho tinto
1 anis estrelado
20g chocolate amargo ralado 

Aqueça o azeite numa panela de fundo grosso. Tempere o javali com sal e pimenta e doure no azeite. Quando estiver bem corado, retire a carne e adicione os vegetais e o louro à panela. Mexa por 3 minutos. Adicione o extrato de tomate e o vinagre. Mexa até os vegetais começarem a murchar.Adicione o vinho do Porto e mexa até o vinho secar. Adicione o caldo e o vinho.Abaixe o fogo para médio e deixe cozinhar por 1 hora. Retire a carne do molho e desfie. Enquanto isso, retire as folhas de louro e bata o molho num liquidificador. Volte tudo para a panela e adicione o anis estrelado. Cozinhe mais 1 hora, em fogo baixo. Se o molho ficar muito espesso, adicione maiscaldo. Apague o fogo e adicione o chocolate.

 

Coloque os nhoques nos pratos com 1 col sopa cheia da beurrenoisette e sirva com o ragú.


domingo, 30 de dezembro de 2012

minha jornada sem gluten


Quem vê minha estante de livros atualmente em uso  (eu sempre deixo uma parte da minha estante separada para o que estou cozinhando no momento) não acredita que ela realmente seja minha. Ao lado dos indefectíveis  Pierre Hermé e Martha Stewart (esses têm residência permanente na tal estante), os (apenas!)  41 livros atuais apresentam títulos como: TheGluten Free and Vegan Baking Book, A moderna Cozinha Vegetariana, Go DairyFree, 500 Low Carb Recipes. Hã? Cozinhar sem farinha de trigo? Sem manteiga? Sem açúcar? E vegetariana, eu? Pois é. O fato é que nos últimos meses, para conseguir fazer uma dieta que não fosse só frango-com-chuchu-e-saladinha eu mergulhei de cabeça nesse mundo de dietas alternativas. Encarei esse processo como um grande desafio: eu não queria receitas que fossem apenas satisfatórias. Não queria um comentário do tipo: “ah, isso até que é bom para ser sem glúten...”. Não. Precisava criar receitas que fossem tão boas quanto suas versões originais. Ou melhores. Receitas que permitissem que uma pessoa vivesse com prazer na tal restrição alimentar. Receitas que você trocaria facilmente a versão original pela versão “sem”.
E para minha surpresa, isso foi possível. Foi muito melhor do que eu esperava. Disso saíram muitos projetos em andamento e futuros. Inclusive a retomada desse blog.
Minha primeira inspiração veio do meu blog preferido:cannelle et vanille. Sua autora, além de chef patissière é fotógrafa. O blog é lindíssimo e foi a minha inspiração para criar o ladoB. No entanto, de uns anos para cá a autora e seu filho foram diagnosticados com  intolerância ao glúten, e as receitas passaram a ser todas gluten-free. Claro que na época eu desisti de seguir o blog. As receitas eram todas feitas com ingredientes que para mim pareciam muito estranhos: farinha de quinoa, amaranto, painço... Mas tudo continuava lindo e com aspecto delicioso. Então falei para mim mesma: se ela consegue, eu também consigo!
Infelizmente aqui no Brasil ainda não temos uma cultura muito forte nesse segmento. Lá fora existem diversas marcas de farinha sem gluen já prontas, e diversas farinhas naturalmente sem glúten (painço, castanha portuguesa, sorgo, spelt, teff) que não existem por aqui. Pra vocês terem uma idéia de como pelo menos nos EUA esse assunto é levado a sério, meu chef-guru Thomas Keller fez um dia em seu restaurante de NY, o Per Se, uma tarde de guloseimas sem glúten. E lançou sua própria marca de farinha sem glúten, a Cup4Cup – que obviamente estou louca para trazer na minha próxima ida aos EUA. O cara tem um paladar incrível, e eu daria tudo para ter estado nessa degustação. Esperando ansiosamente que ele lance um livro de Gluten-Free Baking (será?).
Claro que esse blog que aqui vos fala é democrático. Aqui conviverão receitas de todos os tipos- com glúten, sem glúten, gordas, light, mega açucaradas, zero açúcar, high carb, low carb...  Afinal, todos merecem comer bem!

Bon  appétit!
 

Bolo de Pera, macadâmia e marsala sem glúten
100g de macadamia moídas
100g manteiga amolecida
50 açúcar demerara
50g açúcar mascavo
2 ovos
75g farinha sem glúten (eu uso da marca Aminna)
1 col chá fermento em pó
1 pera madura ralada com a casca
1 col sopa vinho marsala doce
50g mascarpone
Numa batedeira bata a manteiga com os açucares até ficar fofo. Adicione os ovos (a massa parecerá talhada- é normal). Com uma espátula adicone a farinha sem glúten, o fermento e a macadâmia. Mexa até incorporar bem. Adicione a pêra, o vinho, o mascarpone e a baunilha. Mexa bem e transfira a massa para uma forma de bolo inglês untada. Leve ao forno pré-aqueciso 175 graus por cerca de 1 hora- até o bolo ficar bem dourado e ao espetar um palito no centro da massa esse saia seco. Desenforme morno e deixe esfriar numa grade. Sirva com o caramelo salgado e creme fraîche. 

Caramelo salgado
75g açúcar
15ml água
60g manteiga com sal
1 pitada de flor de sal
50ml creme de leite fresco morno
½ col chá extrato de baunilha
Numa panela de fundo espesso coloque o açúcar e a água. Leve ao fogo médio e mexe de vez em quando até que o açúcar ganhe uma coloração âmbar. Diminua o fogo e comece a incoporar a manteiga aos poucos. Cozinhe por mais 2 minutos e adicione o sal. Retire do fogo e incorpore o creme aquecido junto com a baunilha (cuidado: nesse momento a mistura vai borbulhar- fique um pouco longe da panela!). Mexa bem, deixe esfriar e cubra o bolo.

 

 

sábado, 29 de dezembro de 2012

Um presente para mamãe

 
 
Agora é para valer. Sinto que devo aqui uma explicação. Foram muitos meses sem escrever. E um post de comida de dieta num momento que eu não estava conectada com a comida- o post foi inclusive deletado, pois aquilo não era eu. A realidade é que depois que tive filho passei mais de um ano sem cozinhar. Minha imersão no mundo da maternidade foi tamanha que não me sobrava mais energia para nada. Eu tive, sei lá, uma "depressão culinária". Coisa muito louca, pois não assisti a temporada da minha série favorita que estava estreando (e agora, para o meu deleite, vou poder vê-la "non-stop"), não lia receitas, não acessava blogs... Na verdade, mal entrava na cozinha.
Decidida a perder todos os quilos adquiridos, comecei a fazer dieta, e assim, precisei no fim criar uma própria que satisfizesse minha boca, estômago e mente. Enveredei pelo mundo do low carb, criei receitas fantásticas, perdi 12 kg e recuperei minha paixão por cozinhar. E aqui estou de volta. Porque não adianta. A cozinha é onde meu coração realmente está. E ninguém foge do coração por muito tempo.
E então, nada melhor que voltar num brinde à maternidade. Nesse caso, dedicado à minha mãe, pois essa receita foi feita para ela: Babka de chocolate e canela.
Babka não é uma receita que se vê muito no Brasil. Um mix entre challah, brioche, chocotone e bolo de rolo (!), o babka não é nem pão nem bolo nem sobremesa. É assim... Babka! Mas pode ser consumido como qualquer uma das alternativas. É uma receita tradicional judaica, proveniente de algum país da Europa Oriental (as fontes discordam sobre essa informação), recheada ou de chocolate ou de canela, enrolada como um rocambole e torcida, consumida em eventos festivos religiosos. Minha mãe ama esse treco. Sempre que vamos aos EUA, passamos num Dean & DeLuca e lá vai minha mãe para a sessão pães/bolos pegar seu Babka. Parte para consumir na viagem, parte para trazer para o Brasil.
Esses dias estava olhando meus livros de pães. Peguei num livro que comprei durante a gravidez, mas que nunca tinha feito nenhuma receita. O livro, Simply Great Breads, é fantástico. Escrito por um padeiro super premiado, é talvez o que tenha mais detalhes e dicas para um pão perfeito que eu já vi.
 E eis que lá no fim: Babka de chocolate. Minha mãe come mais a versão com canela. Mas pensei: por que não chocolate COM canela? Amo essa combinação.
Tiro a batedeira lá do alto, compro os ingredientes e vamos lá. É uma receita que demora para ser feita, pois a massa tem que descansar na geladeira pelo menos uma noite inteira- e isso é ótimo. Pão é para quem tem paciência. Quanto mais ele se desenvolve, mais sabor terá. E acredite, não tem nada melhor do que fazer um pão do zero. E eu não estou falando de fazer na máquina, não. Apesar dessa massa ser feita em batedeira, com o gancho para pães, ver a massa se tranformar, ficar elástica e ir exalando o aroma do fermento com a manteiga... É muito, mas muito legal.
A minha primeira tentativa, fiz um mega Babka. O negócio cresceu muito, ficou gigante, lindo e perfumado. E se acabou rapidamente. A massa fica úmida, entre uma challah e um panetone. Incrível. Mas por ter feito uma formato "livre", a massa cresceu muito para os lados e perdeu a característica das camadas do recheio (por isso digo que ele também tem um "quê" de bolo de rolo). Na segunda tentativa (no dia seguinte!) dividi a massa em dois e assei em formas de bolo inglês- o resultado fica melhor.
Como sempre, quanto melhor a qualidade dos ingredientes, melhor ficará seu Babka. E prepare-se para viciar!

Bab(k)a, Baby, Bab(k)a!

Babka de Chocolate e Canela (rende 2 babkas)

163 ml de leite morno
40g mascarpone
100g açúcar
2 ovos + 1 gema
1 col chá extrato de baunilha
1/2 col chá sal
500g farinha de trigo
70g farinha de glúten (você pode usar apenas farinha normal, mas a farinha de glúten garante uma massa mais fofinha- uso a da marca Macrozen)
10g fermeto bilógico instantâneo
140g manteiga amolecida picada

Recheio:
250g chocolate meio amargo picado fino
100g açúcar
2 col chá cheias canela em pó
(reservar 1 col sopa para a cobertura)

Cobertura
2 col sopa creme de leite fresco
1/2 gema batida
1 col sopa do recheio


Combine o leite, mascarpone, açúcar, ovos, gema, baunilha e sal numa tigela. Mexa bem. Adicione os secos. Misture com uma espátula até tudo incorporar. Bata a massa com uma batedeira provida de gancho na velocidade baixa por 5 minutos. Com a batedeira ligada, vá adicionando um pedaço de manteiga por vez. Quanto toda manteiga estiver incorporada aumente a velocidade para média e bata por mais 5 min (ficará uma massa grudenta e coesa). Transfira para uma tigela untada. Cubra com papel filme e leve à geladeira por 8-12h.
Retire a massa da geladeira e divida-a em 2. Polvilhe farinha de trigo numa superficie e abra uma das metades da massa com um rolo, até que fique um retângulo com uma espessura de +- 3mm. Polvilhe metade da mistura de chocolate. Enrole a massa como um rocambole no sentido do comprimento. feche num círculo e dobre a massa 2x, formando dois "oitos". Tranfira para uma forma de bolo inglês untada. Cubra com papel filme e deixe a massa crescer por 2 horas. Repita a operação com a outra metade da massa.
Retire o papel filme e pincele a mistura de creme de leite com gema. Salpique a mistura de açúcar, canela e chocolate. Asse em forno 175 graus por 35-40 min, até a superfície estar bem corada.
Desenforme morno e deixe esfriar numa grade de alumínio.

Aproveite! E não se pese no dia seguinte!

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Eu só quero chocolate

Abril é o mês da páscoa - e não podia haver época melhor para falar sobre um ingrediente tão fascinante como o chocolate. Lineu, o famoso botânico que criou o sistema de classificação em espécies das plantas, não podia ter escolhido nome melhor para o cacaueiro: Theobrama, que em latim quer dizer "alimento divino". A história do chocolate tem conotações místicas e sangrentas, e tem papel importantíssimo na história da América Central.
Os primeiros registros sobre o chocolate remonta ao período dos maias- os primeiros a ocuparem a península de Yucatán, no México. As favas do cacau eram fermentadas, grelhadas, moídas e misturadas com mel, pimenta e fécula de milho para produzir uma bebida fria denominada chacau haa. Mas foi na época dos astecas que a civilização ocidental entrou em contato com o cacau e daí sua popularização não parou. Para os astecas, as favas do cacau eram tão preciosas que constituíam a moeda local- um escravo poderia ser comprados por 100 favas, por exemplo.
Cristóvão Colombo e sua trupe provavelmente foram os primeiros a provarem o chocolate, mas não deram lá muita bola... Quem trouxe o chocolate para o ocidente foi o conquistador espanhol Hernán Cortéz. Ao chegar no México em 1519 foi saudado calorosamente pelo imperador Montezuma, que acreditava ser o espanhol a personificação do mais poderoso dos deuses astecas, Quetzalcátl. Naquela época, o chocolate era servido como uma bebida sagrada, restrita apenas à nobreza e para fins ritualísticos. Chamada de xocolatl (de xocolli, amargo e atl, água), era perfumado com musk, canela e pimenta. Diz a lenda que Montezuma a bebia em cálices de ouro "descartáveis": o cálice era jogado fora todas as vezes que a bebida terminava, para demontrar que o chocolate era mais valiosa que o ouro. Claro que tudo isso despertou a curiosidade de Cortéz, e quando sua busca pelo ouro asteca não foi bem sucedida, o conquistador voltou seus interesses para o dinheiro que crescia em árvores. Montezuma foi assassinado e grande parte da população asteca dizimada, e Cortéz resolveu plantar o cacau nas ilhas tropicais que já havia conquistado (Trinidad e Haiti) e em alguns países da África, e assim, por muito tempo a Espanha deteve o monopólio do comércio do cacau.
Foi então na Espanha que começou a ocidentalização do chocolate: a bebida passou a ser tomada quente e foi adoçada com açúcar de cana e podia ser aromatizada com flor de laranjeira, avelãs, amêndoas e engrossada com gemas. As "casas de chocolate" viram febre, e não demoram a chamar atenção de outros países. Quando o chocolate chega à Itália, como um presente à Ferdinando de Médicis (os indefectíveis!) a choco-mania ganha corpo, e Turim vira o maior centro de produção de chocolate da Europa. E todos os países querem suas colônias com plantações de cacau...
Somente no século XVIII o chocolate passa a ser usado em confeitaria, e não apenas como bebida. E assim surgem pains au chocolat, sachetortes, opéras...E no século XIX a revolução industrial chega ao chocolate, e o uso das máquinas torna o alimento mais acessível e popular, e Henri Nestlé inventa a primeira barra de chocolate ao leite em 1875.
Chocolate, além de delicioso está associado a múltiplos benefícios à saúde: alivia a depressão, diminui a pressão arterial, previne ataques cardíacos, promove a felicidade e diminui a dor. Tá bom pra você?

Chocolate quente com especiarias

200 ml de leite integral
1/4 fava de baunilha
uma pitada de especiarias da sua escolha (eu uso: canela, noz moscada, cardamomo, chilli em pó e allspice)
2 col chá de cacau em pó 100%
2 col de chá raspas de chocolate meio amargo
2 col de chá raspas de chocolate ao leite (se você preferir a bebida mais doce, use apenas chocolate ao leite)
1 gema

Leve à fervura o leite junto com as especiarias e a fava de baunilha. Apague o fogo, junte os chocolates e mexa até derreter. Numa tigela bata a gema com um fouet por 2 minutos até encorpar. Despeje 1/4 do leite quente na gema batida e mexa sem parar até incorporar tudo. Despeje a mistura do leite e gema na panela com o restante do leite. Leve ao fogo baixo por cerca de 2 minutos, mexendo sempre, até engrossar levemente.
Sitva quente.

*rendimento: 1 porção

terça-feira, 29 de março de 2011

Os pardais do império austro-húngaro

Continuando na onda das massas mundo afora, vamos falar hoje de uma massinha delicada de origem alemã e muito consumida na Bavária, Hungria, Suíça, Áustria e Alsácia. O spaetzle, ou "pequenos pardais" são geralmente consumidos como acompanhamento (no lugar de arroz ou batatas) principalmente de carnes de caça ou servidos em sopas e ensopados (como o goulash). Mas também podem ser consumidos puros, fritos na manteiga (de preferência beurre noisette) e cobertos ,por exemplo, de cebola caramelada. De todas as massas que já fiz, o spaetzle é a mais fácil: é só bater todos os ingredientes na batedeira, passar pelo passador de spaetzle (ou um escorredor de macarrão), cozinhar por cerca de um minuto e voilà! Também como qualquer massa feita em casa é possível utilizar alguns ingredientes para saborizá-la: espinafre, ervas, paprika... Eu adoro essas minhoquinhas (porque realmente de pardalzinho, pra mim, essa massinha não tem nada!). Nunca tinho feito até quando achei o "fazedor" de spaetzle na lojinha do Culinary Institute of America de St. Helena. Eu simplesmente não resisto a um utensílio culinário!!! Às vezes olho para as minhas 3 estantes cheias de formas e afins e penso: será que eu preciso mesmo de: um defumador? uma forma de charlotte? um abridor de ostras? Mas ao mesmo tempo, como faria meus cannelés sem minhas forminhas? Ou um crème brulée sem meu maçarico? Ou minhas espumas/musses/purês aerados sem meu sifão???? Estou feliz da vida que meu pai vai para a França no meio do ano para aumentar minha coleção- formas de madeleines (só tenho das mini), formas para bombons de chocolate, formas de silicone no formato de rosas para mini bolinhos delicados e uma espécie de lona para fazer baguettes. M-a-r-a-v-i-l-h-a!!!!! A culinária é assim: com o utensílio certo tudo fica mais fácil... E também mais lindo! Guten Appetit! Carré de cordeiro com spaetzle de funghi Cordeiro carré cordeiro (conte 4-5 costelas por pessoa) 3 col sopa manteiga sem sal 1 col sopa azeite 1 ramo de tomilho 1 ramo de alecrim 1 folha louro 1/2 cebola roxa picada 1/2 cenoura picada 1 alho poró picado 1/2 salsão picado 1 col sopa cheia de extrato de tomate 1 xic vinho tinto 1/2 xic vinho do porto 2 xic caldo de carne Limpe o carré retirando a maior parte da gordura visível e retire o excesso de carne entre os ossos. Deixe marinando por 3-8 horas na geladeira. *marinada: 1 xic conhaque 4 dentes de alho amassado pimenta do reino 1 folha de louro 1 ramo tomilho 1 col sopa de semente de coentro amassadas num pilão Faça primeiro o molho: Derreta 1 colher de mateiga e adicione os vegetais- deixe fritar por uns 5 minutos até ficarem caramelados. Adicione o extrato de tomate e cozinhe mais 5 minutos. Adicione os vinhos e reduza à metade do volume. Adicione o caldo de carne e deixe reduzir à metade. Coe e leve novamente ao fogo até o molho começar a ficar mais espesso. Ajuste o sal e pimenta do reino. Retire do fogo. Antes de servir, aqueça novamente o molho- retire do fogo e acrescente uma colher de sopa de manteiga gelada- isso dará brilho e consistência. Retire o cordeiro da marinada e deixe chegar à tempertura ambiente. Tempere com sal e pimenta. Sele o cordeiro em 1 col sopa de manteiga + 1 col sopa azeite. Quando a carne estiver bem dourada leve ao forno pré-aquecido a 220 graus por 10-15 minutos (o cordeiro deve estar rosado por dentro). Retire do forno e deixe a carne descansar por 10 minutos antes de fatiá-la (esse tempo de descanso é muito importante para as carnes para que haja a correta distribuição dos sucos- caso contrário ficará seca nas pontas e sangrenta no centro)- o ideal é ter um termômetro para ter a temperatura do interior da carne (entre 58-60 graus). Sirva com o molho e o spaetezle. Spaetzle de funghi 4 ovos 1 col sopa de creme de leite (ou nata) 1 col chá de sal pimenta do reino e noz moscada ralados na hora 2 xic farinha de trigo (leite se necessário) 1 col sopa cheia de pasta de funghi (hidrate o funghi secchi e bata num processador até ficar uma pasta homogênea) 2 col sopa de manteiga Coloque numa batedeira todos os ingredientes e bata até a mistura ficar lisa e homogênea. A massa deve ser mole e fazer bolhas ao ser misturada- se não aparecer nenhuma bolha, adicionar um pouco mais de farinha; se as bolhas não subirem à superfície, acrescentar leite. Passe a massa pelo passador de spaetzle ou escorredor de macarrão em cima de uma panela com água fervente salgada. Cozinhe por 1 minuto. Coe e frite em manteiga até começarem a dourar. Sirva imediatamente. Assista um vídeo com a técnica do spaetzle aqui. *receita para 4 pessoas

domingo, 20 de março de 2011

Fofuras Parisienses

Depois da trilogia das massas italianas, vamos falar de outros tipos de massas. Massas do mundo afora, um pouco menos conhecidas, mas igualmente deliciosas. Sim, porque esse prato tão antigo e versátil tem suas variações em diversos países.
Uma das minhas massas "alternativas" favoritas é o Gnocchi Parisienne- assim como o italiano, se parece com um travesseirinho fofo, são gordinhos e apetitosos... Mas nada tem a ver com os seus irmãos-rivais. Enquanto o clássico gnocchi italiano é feito de batatas, o parisiense é feito a partir da pâte à choux- a mesma que se faz profiteroles e éclairs.
Aqui em São Paulo adoro o gnocchi parisiense do Ici Bistrô. Ele é servido com uma manteiga de tapenade (pasta de azeitonas) como acompanhamento da arraia- esse é um belo prato para comer dois "ingredientes" incomuns- arraia é simplesmente uma delícia!!!!! Pra mim o Ici é uma desgraça- vizinho de porta do meu consultório, estou sempre com desejo de comer a arraia, a moules et frittes, o pain perdu com purê de pêra... Ou qualquer uma das delícias produzidas por Benny Novak.
A pâte à choux é bem simples de fazer, e eu acho mais fácil achar o ponto dessa massa do que fazer um gnocchi de batata perfeito: leve e sem gosto de farinha.
Você pode servir como acompanhamento de peixes e carnes, mas também é um ótimo prato para os veggies- salteados com abóbora assada e folhinhas de sálvia crocantes coberto com biscoito amaretto quebrado, fica maravilhoso. E ele se comporta como qualquer massa: é uma tela em branco- o molho e o que você põe na massa cabe à sua imaginação...
A receita que vou postar aqui é uma pequena adaptação do meu ídolo-mor culinário: o americano Thomas Keller, chef dos estrelados French Laundry no Napa Valley e Per Se em NYC, e do bistrô Bouchon- com dois endereços: Napa Valley e Las Vegas. Minha primeira experiência num restaurante do tio Thomas foi no Bouchon de Las Vegas, localizado no alto do Venetian, hotel surreal que possui canais percorridos por gôndolas e um céu falso que exibe um céu azul turquesa a qualquer hora do dia- tornando quase impossível a tarefa de sair do jet lag. Vou ter que dar uma segunda chance à Las Vegas, pois confesso que achei a cidade muito bizarra. Fui sozinha, num congresso que não conhecia ninguém, e ia para as palestras bem cedo- umas 7:30 da manhã. A essa hora do dia não há ninguém na rua, o que torna uma cidade com uma torre Eiffel, arco do triunfo, pirâmide, colunas gregas colossais e afins algo como uma cidade cenário fantasma. Então meu passatempo era comer- afinal em que outro lugar do mundo convivem na mesma rua Thomas Keller, Daniel Boulud, Joel Robuchon, Mario Batali, Wolfgang Puck e afins? Pois bem. Você entra no lobby do hotel após passar por uma pontinha sobre um dos canais fake- e pode ter a "sorte" do gondoleiro estar cantando ópera para algum turista que não para de tirar fotos. O lobby exibe milhares de afrescos renascentistas no tento. E você se pergunta como será possível se sentir num bistrô parisiense no meio desse clima veneziano do século XVI... Claro que o restaurante original na charmosa cidade de Yountville é muito mais convidativo- que tive o prazer de conhecer um ano depois, principalmente por estar ao lado do French Laundry (minha melhor experiência culinária), mas o piso de cerâmica, os espelhos e o menu impresso num papel rústico e descartável faz você até pensar que está em um arrondissement qualquer... Então tiro o sobretudo, sento na cadeira de madeira, peço um vinho e me dirijo à mesa dos hors d'oeuvres. Pego terrines e rillettes, com um pain de campagne com um cheiro maravilhoso, escutando música francesa ao fundo. Peço uma moules et frittes e sou feliz. Se Pavarotti e Andrea Boccelli estiverem no saguão vou até achar bom...

Gnocchi Parisiense
1/4 xic leite
1/2 xic água
6 col sopa manteiga
1 1/2 col chá flor de sal
1 xic farinha de trigo
1 col sopa mostarda Dijon
2 col sopa de ervas fresacas picada (salsinha, tomilho, estragão...)
3/4 xic queijo gruyère ralado
2-4 ovos

Coloque numa panela a água, o leite, a manteiga e 1/2 col chá sal e leve ao fogo até começar a ferver. Diminua o fogo para médio e adicione a farinha de trigo de uma vez e mexa rapidamente até que a massa solte das laterais da panela. Continue mexendo para retirar um pouco da umidade da massa, mas não deixe pegar cor (uma leve crosta vai se formar no fundo e laterais da panela). Retire do fogo e adicione a mostarda, as ervas e mais 1 col chá sal. Mexa por cerca de 1 minuto e acrescente o queijo. adicione 2 ovos, mexendo sempre- a massa deve ficar brilhante e cremosa- se ao levantar uma colher a massa não cair, acrescentar mais 1-2 ovos.
Colocar a massa num saco de confeiteiro descartável. Cortar o bico e cortar a massa sobre uma panela com água quente quase fervente (não pode estar em franca ebulição). Após subirem à superfície, deixe os gnocchis cozinharem mais 2 minutos. Escorra e salteie em manteiga ou retire a umidade em excesso e congele por até 1 mês.
Veja aqui um Video onde Thomas Keller mostra a técnica de preparo dessa receita.
*porção para 4 pessoas.