sábado, 5 de março de 2011

Quero ser Peter Mayle


Imagine um lugar com estradas cercadas por campos de girassóis gigantes, pessegueiras fartas, oliveiras e vinhedos. Um lugar onde logo após o pôr do sol o céu se tinge de lilás, pra combinar com os campos de lavanda perfumados da região. Um lugar onde as pessoas são felizes pelas coisas simples da vida. Onde o tempo não é ditado pelo relógio e a palavra "pressa" não existe no dicionário local. Um lugar de tamanha beleza que inspirou artistas como Cézanne, Van Gogh, Picasso- só para citar alguns. Esse lugar existe. E é a Provence.
Estive na Provence há cerca de 1 ano e meio atrás, e esses dias, passando as dicas de viagem para o meu pai, minha memória se voltou para aquele pedacinho do sul da França.
Quem já leu Peter Mayle tem uma idéia do que é o lugar. Esse inglês que adotou a Provence há mais de 20 anos escreve deliciosamente sobre o local. Desde seu primeiro livro que li, "Lições de Francês", já pensava que ele era um cara de sorte: morava num lugar lindo e ganhava a vida viajando pelo interior da França, comendo, escrevendo sobre os costumes... Ao ler "Um ano na Provence" você pode até achar que tudo aquilo é comédia. Mas não é. É um lugar sui generis mesmo.
Cheguei à Provence em meados de agosto, num calor insuportável. Minha primeira parada: Aix-en-Provence, que ao lado de Avignon é uma das cidades grandes da região. Aix é linda, mas estava vindo da Borgonha, onde algumas cidades eram tão peguenas como uma ruazinha, então todo aquele agito me causou um certo incômodo. Minha próxima parada seria Lourmarin, uma pequena cidade no coração do Luberon, a região rural da Provence. Parto dois dias mais cedo na esperança de encontrar alguma hospedagem nessa mini cidade de pouco mais de mil habitantes. Chegando perto do meu destino as estradas começam a ficar menores e mais sinuosas- andar de carro na Provence pode ser uma verdadeira emoção!!! Uma plaquinha indica o destino: "Lourmarin - uma das mais belas cidades da França". Já gostei.
Bato na porta do meu chambre d'hôtes (o que seria a nossa pousadinha, mas que de pousadinha não tinha nada!) e a dona, uma velhinha com um penteado de tranças que mais parecia a princesa Leia vem atender. Explico que chego dois dias antes. Ela me diz que infelizmente para aquela noite não teria quartos... "Mas vamos aqui na minha vizinha perguntar se ela não pode te hospedar por uma noite!". Eu olho incrédula para aquela situação. Bernadette, a velhinha-Leia, vai entrando no quintal da vizinha. Toda a família está ali, botando a mesa no jardim para o almoço, tomando vinho rosé, escutando jazz, rindo alto... A dona da casa vem me acolher com um "Bien sûr, bien sûr"- Claro, claro... O quarto de hóspedes é simplesmente lindo. É todo no estilo...bem, provençal! Que para eles pode ser comum, mas para mim... Rio para mim mesma lembrando quando era pequena, na minha primeira viagem para Inglaterra, falava para a minha mãe: Olha, aqui só tem carro importado!
Naquele momento, olhando aquela família pela janela, tão feliz num simples almoço de terça-feira, a mesa colocada com tanto capricho... Algo mudou em mim. Aquele lugar tem uma certa mágica no ar. E minha primeira vontade foi tirar o relógio - e acredite, você também vai querer tirar o seu.
No dia seguinte já estou com Bernadette. Sua "pousada" é simplesmente uma construção do século XVIII simplesmente maravilhosa, cheia de obras de arte, com um jardim com redes e uma fonte onde é possível refrescar os pés no fim da tarde. Os primeiros dias foram para conhecer as cidades da região: uma mais linda do que a outra. Gordes- construída na beira de um penhasco, Rousillon e suas montanhas de ocre, onde todas as casinhas vão do laranja ao marrom, Bonnieux e sua vista fantástica para Lacoste, Cucuron com sua pracinha central, Les Baux de Provence, uma cidade murada ao pé dos alpilles com restuarante 2 estrelas Michelin e uma das atrações mais lindas da Provence: a Catedral de Imagens ... Depois fui diminuindo o ritmo... Estava calor, então por que não ir até o laguinho ali próximo? E enquanto boiava naquelas águas dos alpes franceses- que péra aí: eram águas termais!!!, pensava "a vida é boa"... Um incidente com o carro me fez entrar no "modo provençal" de vez. Estava voltando de Arles e suas ruínas romanas quando notei que o combustível estava literalmente no zero! O que eu não sabia era que na França não há postos nas estradas, e demorei até resolver entrar numa cidadezinha X para abastecer. E lá, claro, não existem frentistas, o que existem são váaarios tipos de combustíveis diferentes: gasolina X,Y,Z, diesel... E agora? Não tinha a menor idéia qual era! Lembrei que o carro que alugara na Borgonha era a diesel, e como o modelo, um Polo, era igual e da mesma operadora, pensei que existia um certo padrão. Coloquei 15 euros de diesel e pé na estrada. Por uns 2 minutos... Logo o carro começa a fazer um barulho estranho, a sacudir todo e perder potência. Ai,ai,ai! Entro na primeira estradinha vicinal, daquelas que mal cabem um carro, torcendo, rezendo para que o carro aguente até a entrada da cidade- Pertuis- já vi essa placa, não estou tão longe de casa! Atrás de mim, os carros buzinam. E eu e meu carro trememos. Ao entrar na cidade o carro pifa na porta da casa de uma mulher que entrava com as compras, eu quase chorando, já embaralhando todo o meu francês, explico o ocorrido. A mulher me fala que logo ali, depois daquela esquina tem uma oficina mecânica. Entro em pânico porque o "logo ali" provençal pode significar 5 metros ou 5 km!!!!!! Empurro o carro até a esquina e , ufa! A mecânica está ali... Claro que ouço todos os tipos de piada, como eu fui colocar diesel num carro a gasolina sem chumbo? Hã? Moço, no Brasil só temos álcool e gasolina e hj há muitos carros que já aceitam os dois!! Mas não adianta, eles me mostram todos os indícios que o carro era a "essence sans plomb": tá vendo esse simbolo verde? Ou como o bocal é diferente? Ou isso, ou aquilo? Os provençais a-d-o-r-a-m uma discussão... Rrrrrrrrrr! Meu celular não pega e não sei o telefone de Bernadette. Mas os mocinhos não são de todo o mal, e me dão carona até Lourmarin. Mas o carro vai demorar pelo menos dois dias para consertar. Só me restava explorar Lourmarin. Então ia à feira de manhã ,explorava a cidade com suas lojinhas transadas, galerias de arte e cafés, fazia meu pic nic no jardim de Bernadette com frutas, pães, queijos e uma meia garrafa de vinho rosé... Já meio lelézinha, tirava um cochilo na rede... À tarde ia pro meu chá no salon de thé da filha de Bernadette, o único local com wi-fi gratuito da cidade. O lugar é uma delícia: um misto de salão de chá com livraria, com títulos em francês e em inglês, onde todos os dias, Mappie, a dona, traz quiches, tortas e bolos recém assados todos os dias. À tarde é hora de chegar o bolo de amêndoas. Um bolo amanteigado, que derrete na boca com sabor intenso de amêndoas e amaretto. Já não sei se vou lá pela internet ou pelo bolo- mas garanto: o melhor bolo de amêndoas que já comi. E claro, como vocês já me conhecem, viciei e obcequei. Virou o sabor da Provence para mim.
Mais pro fim da tarde era hora de passear com Bernadette (apenas depois dela andar 2h de bicicleta e nadar na piscina de uns amigos que tem um "castelinho" por ali). Ela me adotou depois da surpresa de meu marido me mandar uma mega buquê de rosas no meu aniversário. Às vezes saíamos para comer figos e amêndoas que pegávamos nas árvores das propriedades alheias, e ela me contava toda a sua vida, do marido marchant de artes, da sua casa na Côte d'Azur... Bernadette me mostra a casa onde Peter Mayle mora (nada bobo, esse moço...) e diz que ele está viajando- se não, poderíamos entrar e tomar um cafezinho...(!!!!!). Ou então me levava para jantar- uma vez na casa de amigos, onde passamos a noite discutindo política, religião, educação, relacionamentos, bem ao estilo francês, regado à muito vinho... outra vez numa fazenda no alto de uma montanha onde tudo o que se comia era produzido ali, e as cabras, os porcos, os bezerros, todos vinham de vez em quando perto da mesa de 50 lugares (metade ocupada pelos amigos de Bernadette) postas no imenso jardim, onde podíamos apreciar o sol se pondo no meio do vale. Foi ali que vi o único campo de lavanda ainda fresco, como um presente para o fim da viagem. Na volta, Bernadette dirige a 80 km/h, numa estrada onde o máximo é 40, com seus 70 e poucos anos e suas tranças, com várias taças de vinho na cabeça, naquela estrada de terra que cabe meio carro, com penhasco dos dois lados, ouvindo Erik Satie no mais alto volume, feliz da vida. Quero ser Peter Mayle? Melhor. Quero ser Bernadette.
Bolo de Amêndoas
200g pasta de amêndoas ou marzipan
1/4 xic açúcar
220g manteiga sem sal em cubos, gelada
2 col sopa mel
3 ovos
2 col sopa amaretto
1/3 xic farinha trigo peneirada
1 pitada sal
Pasta de amêndoas
1 xic cheia farinha de amêndoas (torre levemente as amêndoas e bata no processador até que vire farinha)
1 xic açúcar confeiteiro
1 col sopa amaretto
1/2 col chá essência de amêndoas
1/2 clara
Bata tudo num processador até formar uma bola. Enrole em filme plástico e guarde em geladeira.
Bata a pasta de amêndoas e o açúcar numa batedeira (de preferência com a pá), na velocidade baixa até que comecem a se misturar. Aumente para velocidae média por cerca de 2 min. Adicione a manteiga e bata por 5 minutos- até que a mistura fique bem clara, fofa e aerada (caso contrário o bolo ficará muito denso). Adicione o mel e os ovos, um de cada vez- só acrescente o próximo quando a mistura estiver bem incorporada. Adicione o amaretto, a farinha e o sal.
Despeja a massa em forma untada com manteiga e asse em fogo baixo pré-aquecido por cerca de 25 min (até ficar dourado). Deixe esfriar um pouco e retire da forma e ponha numa rack para bolos. Sirva levemente morno.

Um comentário:

  1. eu te liguei no seu niver, qdo vc estava nesta viagem.... e eu estava no mercado zona sul...hehehe..That's Life!!!
    Haroldo hj perguntou:A Mariana nao vai mais escrever no blog?foi minutos antes de vermos este post.Que bom que vc escreveu!nao vejo a hora de ir para sampa e provar todos os quitutes ao vivo!!
    adoramos esse texto!
    bjsssss

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