Os docinhos franceses são realmente fantásticos. Madeleines, éclairs (ou bombas), macarons, tartelettes, palmiers, trufas... E o cannelé? Já ouviu falar? Eu também nunca tinha ouvido esse nome até há alguns anos atrás. E desde então, esses pequenos bolinhos canelados viraram minha paixão.
Há alguns anos atrás fiz uma viagem à Paris com a minha mãe e uma amiga. Nessa época um primo meu estava acabando o curso de patisserie no Cordon Bleu. E eu estava super feliz, pois era uma viagem que queria me dedicar à gastronomia, já conhecia todos os museus, não curto muito fazer compras de roupas na Europa- o que eu queria era comer bem e achar utensílios, ingredientes e livros bacanas. E então um dia roubamos o meu primo para fazer um tour gastronômico com o melhor de Paris. Começamos nosso tour pelo Les Halles- o berço da gastronomia de Paris. Nossa primeira parada: a loja de utensílios Mora- uma loucura para quem gosta de formas como eu- todos os tipos, todos os formatos, todos os materiais. Pertinho do caixa, numa estante envidraçada vi umas forminhas de cobre lindinhas- fui olhar mais de perto: forminhas para cannelés. Meu primo me explicou que eram docinhos feitos de baunilha e rum. Bom, precisava achar um desses pra comer- afinal, algo que tenha uma forma e fôrma tão especiais, guardadas à sete chaves e custando 10 euros cada, só podia ser coisa boa. De lá, pit stop na Dehillerin- outra loja de material de cozinha fantástica. Passamos ainda pela boutique chic de Michel Cluizel- um dos melhores chocolatiers do mundo, G. Detou- uma loja de ingredientes de patisserie fenomenal- saí de lá com umas 30 favas de baunilha, torcendo para não ser presa na alfândega, chocolate culinário, griottines, fondant, pectina... E por fim, Fauchon para comermos os éclairs mais famosos da cidade. Vários éclairs depois, na saída, vi num cantinho escondidinho os tais bolinhos. Mesmo mal conseguindo respirar de tanta comida, pedi um. O bolinho era de um marrom escuro e brilhante e um cheiro bem doce, intoxicante. Na primeira mordida...surtei! Uma casquinha crocante e caramelada por fora e por dentro um bolinho úmido, quase em pudim, cheio de pontinhos de baunilha e com aquele aroma penetrante do rum... Pronto! Modo obssessivo ligado! No dia seguinte cedo fui na Fnac do Les Halles procurar um livro que tivesse a receita do bolinho- não podia ter sido melhor: achei um livro só sobre cannelés. Com o livro debaixo do braço, parti para a Mora comprar as forminhas. No metrô, já lendo o tal livro, descubro 3 lugares potenciais para comer mais canelés.
Primeira parada: Pierre Hermé- minha loja de doces predileta no mundo! Aquela portinha na rue Bonaparte está sempre com filas, a qualquer hora do dia, faça chuva, sol ou neve. Me espremo naquele corredorzinho e vejo ali no fim uma placa: cannelés. Mas já acabaram! Volto nos 3 dias seguintes (sim, porque em Paris todos os dias preciso comer um macaron do PH) e nada- sempre acabados! Até hoje nunca consegui ver um cannelezinho naquela vitrine. Ok. Fico sabendo que no Hotel Crillon existe um maravilhoso. Entramos lá até meio constrangidas pelo luxo austero do local. Nos dirigimos ao café... não servimos mais cannelés... Frustrada, faço uma última tentativa de achar o melhor cannelé: vou à gare de Montparnasse atrás de um quiosque do Canelés Baillardran- uma loja especializada em cannelés em Bordeaux, origem dos tais bolinhos. Mas eles são massudos. Talvez se comidos lá na terra dos grandes vinhos... No último dia, tento novamente a Fauchon- hoje acabou... E assim, volto para o Brasil tendo comido um único cannelé, mas ele já se tornara meu docinho preferido. Só fui comer um cannelé de novo um ano depois em São Francisco, numa boulangerie fofíssima na Ferry Plaza no dia que visitava a feira maravilhosa de produtores locais que tem por ali. E depois em Lausanne, no Beau Rivage, de frente para o lago Léman, com Evian do outro lado, arrastava meu marido todas as tardes para um cafezinho com um cannelé- tudo de bom. Realmente o docinho não é tão popular- durante muito tempo foi restrito à pequenas boulangeries-patisseries de Bordeuax. Mas na década de 80 o bolinho foi introduzido em Paris e Baillardrin teve a idéia de fazer uma loja só de cannelés. Mesmo assim, ainda é misterioso e difícil de encontrar-as lojas fazem apenas uma pequena quantidade, pois o cannelé deve ser comido fresco, quando a casquinha ainda está crocante. Em Bordeux, dizem, o cannelé pode ser servido à gosto do freguês: dorée (mais clarinho e menos contraste entre casquinha e interior), croustillante (marrom, interior molinho e casca fina e crocante) ou croquante (marrom bem escuro, casca mais grossa e bem crocante)- preciso conferir! E existe uma Confraria do Cannelé de Bordeuax que, em 1985 transformou o cannelé em "appellation" e produto de terroir.
Como tudo na vida, a dificuldade só faz aumentar o interesse. Por isso é um prazer imenso quando se acha um desses bolinhos (decentes, porque cannelé massudo é horrível!) que tem ares de iguaria.
Cannelés
1l de leite integral
130g manteiga
2 favas de baunilha cortadas ao meio (ou 1 col sopa de extrato de baunilha)
4 gemas
2 ovos
4 xic de açúcar confeiteiro peneirado
100ml rum escuro
1 1/2 xic farinha de trigo
1/2 col chá sal
Aqueça 500ml leite com a manteiga e a baunilha, até que a manteiga derreta. Reserve.
Numa tigela bata com fouet o resto do leite, o rum, os ovos, as gemas e o açúcar. Acrescente a farinha e o sal. Por último adicione lentamente o leite aquecido. Cubra e deixe na geladeira por 24 horas no mínimo (pode ficar até 4 dias).
Unte as forminhas de cobre com manteiga (a tradição manda untar com cera de abelha- mas quem disse que é fácil de achar??) e leve ao freezer por 20 min. Enquanto isso, pré-aqueça o forno a 200 graus. Encha as forminhas até quase a borda (cerca de 80% do volume), diminua o forno para 180 graus e asse por cerca de 40min-1 hora, virando as forminhas no meio do cozimento, até que as bordas estejam marrom escuro- desenforme ainda quente- se ainda estiver muito branco, volte ao forno e cheque a cada 5 minutos. O melhor é comer assim que cheguem à T ambiente.
Obs: a tradição preconiza as forminhas de cobre porque por promover um aquecimento muito rápido e intenso o cobre faz caramelizar a casquinha de modo mais eficiente, deixando o interior ainda molinho. Mas é possível fazer em forminhas de silicone- essas eu já vi aqui no Brasil (Central do Sabor) e nos EUA (Sur la Table)- mas o tempo de cozimneto será mais longo.
* rende 30 mini cannelés
Ai,meu Deus!!!Qdo é que sai o próximo voo para Paris????Nossa,Mariana, vc escreve de um jeito que dá vontade de sair correndo e, vivenciar tudo o que vc descreve,principalmente,as gulodices maravilhosas!!!!
ResponderExcluirMari, voce e uma artista, parece realmente que estou lendo um livro, muito legal, adorei!!!! Proxima vez que for a paris, irei na PH, sem duvida!!!!
ResponderExcluirbjs.
Lembretes de lugares em Paris: depois do que você contou, tudo isso tem que ser visto e saboreado. Meditando, como diria meu pai.
ResponderExcluirBeijo